Comentar certos aspectos notáveis como o cenário do filme ou a iluminação é desnecessário, porque são facilmente perceptíveis. E cada um que encare o clima teatral do filme como quiser (eu achei genial).

O que me deixou mais excitado com o esse filme foi o final. Quando percebi que chegava-se às últimas cenas, comecei a ficar assustado com os rumos da narrativa – parecia que aquela obra muito bem trabalhada até ali cometeria o pior dos pecados cinematográficos: um final sem graça. Cheguei a pensar que perderia aquelas três horas da minha vida por nada, por uma cena sem açúcar, ou melhor, sem fel. Depois de ver tantas cenas de violência enquadradas da maneira mais aterradora possível; depois de encarar a pequena Dogville transformar-se em puro ódio e repugnância, num processo sofrível até mesmo para o espectador eu antevia: lá vem um final todo bonitinho com uma mensagem otimista e moralizante. Mas, não! E eu fiquei muito feliz com isso.
Para quem não quer descobrir certas minúcias da história, para de ler por aqui, por favor.
Sinceramente, eu não agüentava mais assistir a esse filme. Não por ser ruim, mal gravado, mal interpretado... mas, pelas imagens: imagens de violência ou imagens demasiado reais do ser humano, como ele é no âmago de sua alma corroída. Cada grito contido da pequena Grace (Nicole KIDMAN) escorria amargo por minha garganta. Cenas dolorosas de serem enxergadas, porque somos todos humanos e estamos ali sendo retratados em nosso pior ângulo, mas que existe. Depois de me deixar apavorado com as cenas, apavorei-me com a tendência ao final alegre e moralizante. Imaginei a pequena Grace olhando cada um dos moradores de Dogville e perdoando-os por seus atos, para que vivessem com sua própria vergonha e que a pacata cidade morresse esquecida entre as montanhas, que todos vivessem o horror de seu pecado até o fim de seus dias... (Olha, depois da adaptação para as telas de Ask the dust, eu desconfio de tudo).
Mas, não! Não! A protagonista não é mais uma Madre Teresa de Calcutá cinematográfica, completamente surreal aos ouvidos de reles humanos. Ela é toda real, palpável; ela tem a marca da vingança, do ódio, do rancor, tão inerentes às pessoas comuns; incapazes de esquecer facilmente das coisas e ficam se remoendo, se vingam de uma forma ou de outra – direta ou indiretamente, com palavras ou uma faca. O filme te faz sofrer tanto quando a própria protagonista, vendo tudo sem poder fazer nada. Aposto que se o final fosse diferente, as pessoas quebrariam todo o cinema. Apesar de, optando por esse fim visceral, o diretor mostra e as pessoas se afirmam com toda sua crueldade. Isso também é chocante.
Lars Von TRIER nos obriga a enxergar a pior parte de nosso ser. A vingança é plena. Não sobra ninguém para contar a história. A pequena Grace não mede esforços para degustar, pedaço a pedaço, sua desforra. E lá está a violência novamente, ainda aqui tão real. Tão humana.